Palavras...

Palavras...

domingo, 7 de fevereiro de 2016

BOM DIA, CAMARADAS de Ondjaki

Segunda leitura concluída para o DESAFIO LIVRADA! 2016, na categoria UM ROMANCE DE FORMAÇÃO.


Companhia das Letras, 135 páginas

Romance de Formação ou Bildungsroman, é um estilo de narrativa inaugurado por Goethe, com o livro OS ANOS DE APRENDIZADO DE WILHELM MEISTER, e que aponta para obras nas quais é descrito o processo de desenvolvimento físico, moral, ideológico (etc etc), de uma personagem, normalmente a partir da infância.

No romance de Ondjaki temos apenas um curto período da vida do narrador - os meses finais de um ano letivo - contudo, neste espaço de tempo em que o menino conta a sua história, ele começa a entender, de modo mais claro e definitivo, o mundo que o rodeia e a realidade de seu país. 

"Na cidade de Luanda, quando a chuva cai e molha a terra, os cheiros da manhã ganham intensidade e despertam a imaginação de um menino - ou de um miúdo, como dizem os angolanos -  que vive com sua família na capital de Angola, durante os tempos da guerra civil. Todo dia, quando se levanta, o narrador deste livro sente a vida que se revela, os cheiros da casa e os movimentos do abacateiro. Sempre animado, dá o seu cumprimento aos pais e ao camarada António, o cozinheiro que trabalha na residência da família. Na escola, as crianças também gritam em uníssono, o seu bom-dia aos camaradas professores. Os mestres de quem mais gostam são os cubanos, como o camarada professor Ángel e sua esposa Maria, que estão em Angola para ajudar na luta pela educação e por um país melhor. A certa altura, uma grande inquietação toma conta dos alunos, pois a visita surpresa do inspetor de educação - ou mesmo um evento ainda pior, nestes tempos agitados - está para acontecer, quando menos se espera. Além disso, aproximam-se as provas de fim de ano, e todos estão empenhados nos estudos, ao mesmo tempo que sabem viver um momento de despedidas."

No começo do livro fiquei meio "assim" com a narrativa...

Afinal, o dia-a-dia de um menino - aparentemente entrando na adolescência - não guardaria temas de grandes interesses para um adulto.

Até que eu, como adulta, comecei a ler nas entrelinhas do discurso (aparentemente despreocupado) dele e passei a compreender quão séria era a situação da vida de todas as pessoas que viviam na Luanda de BOM DIA, CAMARADAS.
"Então também percebi que, num país, uma coisa é o governo, outra coisa é o povo." (p.24)
O tom matter of fact do narrador camufla muita tensão e medo. 

E a medida que a história avança, que tomamos conhecimento dos pormenores de como Angola funcionava, passamos a entender que a "despreocupação" é uma armadura, um mecanismo de auto-defesa, tão comumente desenvolvido por quem tem que lidar com a violência como parte de sua vida.
"Ê!, aqui em Luanda, não se pode duvidar das estórias, há muita coisa que pode acontecer e há muita coisa que, se não pode, arranja-se uma maneira de ela acontecer. Porra, aqui em Angola já não dá pra duvidar que uma coisa vai acontecer..." (p.104)

BOM DIA, CAMARADAS é um belo livro, que me levou às lágrimas, frutos de gargalhadas e de emoção. Uma história que me incomodou por mostrar como podemos nos acostumar com um monte das coisas feias deste mundo; até com uma guerra na porta de nossa casa.

Impossível não nos identificarmos ou não nos comovermos com a História de nossos irmãos de Língua Portuguesa, que têm um passado de colônia tão mais recente que o nosso, com cicatrizes ainda mais doloridas que as nossas.

Recomendadíssimo!

Um beijo e ótimas leituras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário