Palavras...

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terça-feira, 16 de maio de 2017

Poema: ALMA ERRADA de Mario Quitana.

Tem coisa que só a poesia expressa...





    ALMA ERRADA

Há coisas que a minha alma, já tão mortificada, não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há... e quem é que hoje faz questão de virgindades...
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda. 
(Desconfio até que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido...

Mario Quintana

terça-feira, 9 de maio de 2017

Contos de Machado que recomendo (#8): AS BODAS DE LUÍS DUARTE

Carregado de referências, no mínimo curiosas, este conto tem uma forte atmosfera de comédia de situações.



   AS BODAS DE LUÍS DUARTE que está no livro Histórias da Meia-noite, começa com a descrição dos preparativos para o grande evento. José Lemos - pai da noiva - responsável pelo o arranjo da da sala, havia comprado no dia anterior duas gravuras para ornar as paredes do ambiente:

GRAVURA 1:

A MORTE DE SARDANAPALO - Delacroix, 1827

* Sardanapalo foi (segundo uma rápida pesquisa) o ultimo rei assírio que, para não cair nas mão do inimigo resolveu suicidar-se. Para isso mandou construir uma enorme pira funerária, na qual jogou todas suas posses (cito: ouro, prata, trajes reais, eunucos e concubinas) seguindo ele o mesmo caminho na sequencia. O detalhe bizarro da história é que parece que Sardanapalo esperou para certificar-se de que tudo e todos estavam devidamente queimados para só então pular no fogo.

- C R E E P Y !!!


GRAVURA 2:  

EXECUÇÃO DE MARIA STUART - Vanutelli, 1861

** Maria, rainha dos escoceses, foi executada por traição em 08 de fevereiro de 1587.

  Por que cargas d´água alguém escolheria este tipo de adorno para um dia de núpcias? A justificativa de José Lemos tem lógica para ele, mas para o leitor deixa uma sensação de preságio tragicômico sobre o futuro do casal.

"Houve alguma luta entre ele e a mulher a respeito da colocação da primeira gravura. D. Beatriz achou que era indecente um grupo de homem abraçado com tantas mulheres. Além disso , não lhe parecia próprios dous quadros fúnebres em dia de festa. José Lemos, que tinha sido membro de uma sociedade literária, quando era rapaz, respondeu triunfantemente que os dous quadros eram históricos, e que a história está bem em todas as famílias. Podia acrescentar que nem todas famílias estão bem na história; mas este trocadilho era mais lúgubre que os quadros."                                   
  Além destas, outras referencias aparecem ao longo do conto realçando ainda mais a força da ironia do escritor. 

EDITORA GLOBO, 154 páginas

  Para completar a graça desta história, Machado estava implacavelmente inspirado quando bolou a descrição das personagens. José Lemos e D. Beatriz formam um casal estranho que colocou no mundo duas filhas ligeiramente sonsas e dois filhos, irmãos sobretudo na preguiça e na gulodice. 

  O noivo que demora pra chegar, o convidado com cabeça de jaca, o outro com artificial ar gravíssimo, os que só pensam na hora do jantar, são o retrato de um grupo sem real consideração pelo evento das bodas e que só pensa na própria imagem e satisfação.

  Dei muitas e boas risadas...


Um beijo e ótimas leituras.